quarta-feira, 14 de abril de 2021

POEMAS DOUTRAS LÍNGUAS

 

Um luar sério

 

Um luar sério caiu brilhantemente sobre as montanhas esta noite

 

Um luar elegante caiu ruidosamente sobre o veado adormecido no jardim

 

Um luar despedaçado caiu esplendidamente sobre os baloiços

 

Um luar caprichoso caiu pesadamente sobre a lagoa ervada

 

Um luar bravio caiu pensativamente sobre os baldes de reciclagem

 

Um luar evidente caiu selvaticamente sobre os coiotes caindo sobre aos coelhos

 

Um luar pessoal caiu deliberadamente sobre a minha secretária e os livros

 

Um luar antigo caiu perfeitamente sobre os meus lençóis

 

Um luar moderno caiu brutalmente dispersando tremendamente os meus pensamentos

 

Bowie morreu a noite passada a sua alma alienígena e sensível partiu

 

Tu estás com alguém e eu vou caindo repetidamente

 

Estilhaçada pelo silencioso cair deste terrível luar

Camille Guthrie (2016)



Serious Moonlight

 

Serious moonlight fell brightly on the mountains tonight

 

Elegant moonlight fell loudly on the deer asleep in the yard

 

Broken moonlight fell splendidly on the swing set

 

Moody moonlight fell hard on the weedy pond

 

Pretty moonlight fell recklessly on the garden beds

 

Fierce moonlight fell thoughtfully on the recycling bins

 

Actual moonlight fell wildly on the coyotes falling on the rabbit

 

Personal moonlight fell purposely on my desk and books

 

Ancient moonlight fell perfectly on my bed sheets

 

Modern moonlight fell roughly scattering my thoughts awfully

 

Bowie died last night his exquisite alien soul has taken off

 

You are with another and I’m falling repeatedly

 

Shattered by this silently falling terrible moonlight

Camille Guthrie (2016)

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Camille Guthrie  nascida em Seattle  é autora de The Master Thief (2000), In Captivity (2006) e Articulated Lair: Poems for Louise Bourgeois (2010). Formou-se no Vassar College e na Brown University. É professora na Bennington College e vive no estado de New York. Alguns dos seus longos poemas experimentais (com várias sequências poéticas inter-textuais) são testemunhos de um diálogo moderno com a história da écfrase (descrição literária de objetos, geralmente de outras artes: escultura, pintura, música...*). Sobre este poema, diz a autora: “No sítio onde vivo, no campo  numa colina e com vista para montanhas , o luar é um acontecimento. Quando David Bowie morreu [em janeiro de 2016], apercebi-me de que, sempre que via a lua cheia, pensava na sua descrição perfeita em ‘Let’s Dance.’ Atribuir um adjetivo tão justo e preciso a algo tão fundamental como a Lua é alterar a realidade.”

*: exemplos de écfrase são o início de O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), de José Saramago, com a descrição de uma xilogravura de Albrecht Dürer, ou As palavras e as coisas (Les mots et les choses, 1966), de Michel Foucault, com a sumptuosa descrição do quadro Las Meninas, de Velásquez.

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