Conta-se que certo dia, tendo o príncipe D. João (futuro D.
João III) uns oito ou nove anos, chegou-se, pela hora da sesta, a uma varanda
do Paço da Ribeira, onde a corte na altura se encontrava. Um pobre mendigo, que
por ali passava, ao ver o príncipe, pediu-lhe esmola. Como não tendo que lhe
dar, o pequeno D. João mandou-lhe que levasse um burro que por ali estava atado
a um esteio.
Entretanto, estava o mendigo a preparar-se para levar o
burro quando chegou um aldeão que era o verdadeiro dono do animal. Mas o
mendigo não queria abrir mão do burro porque dizia que tinha sido o príncipe
que lho dera. Foram os dois homens presentes ao rei. Este, ouvindo a história,
devolveu o seu a seu dono e, ao mendigo, deu em dinheiro a “justa valia” do
burro.
De seguida, mandou chamar o príncipe que, entretanto, se
tinha escondido. Levaram-no à força aos aposentos onde se encontravam o rei e a
rainha. Então, D. Manuel, advertindo asperamente o jovem príncipe seu filho,
disse-lhe:
- “Porque sois príncipe e haveis de ser rei, vos hei-de
castigar pelo que agora fizestes, para que nunca vos mais esqueça que a
principal obrigação do ofício de rei é dar a cada um o seu e que por nenhum
caso pode dar o que for de uma pessoa a outra”.
Mandou ao príncipe que se desatacasse. O príncipe
recusou-se. Então, foi o próprio rei que lhe “desatacou as atacas das calças”
e, com sua mão, lhe deu “meia dúzia de açoutes”.
Fonte: Ditos Portugueses dignos de memória, 3ª ed.,
Actualização, introdução e comentários de José Hermano Saraiva, Mem Martins,
Publicações Europa-América, s.d. (adapt.).
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