quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

POEMA DA MENINA DO HIGROSCÓPIO



Quando o velho do higroscópio desaparecer no fundo da casota de madeira
E a menina do cesto assomar à portinha do lado,
hei de ir contigo passear ao campo.
Andando, poisarei o meu braço no teu ombro
e com dedos de amor beliscarei
o lóbulo macio da tua orelha.

Quando a menina do cesto assomar à portinha do higroscópio
de laçarotes nas tranças,
a grande saia rodada, azul da Prússia,

com três barras vermelhas,
e o cesto a transbordar de flores e frutos,
hei-de ir contigo passear ao campo.

Oculta na floresta, a casota florida do higroscópio,
tem telhado erguido em ângulo agudo
para que a neve escorra,
e uma grinalda de malmequeres amarelos a bordar o beiral.
Enquanto a corda de tripa não puxar o velho para dentro da casota
e com ele as asas de grilo da sua labita preta,
baterei com os pés no chão para aquecer, e esperarei
que a menina do cesto assome na portinha do lado.
Assim que ela assomar, estremunhada e surpresa,
ébria do Sol, tonta do cheiro das flores,
hei de ir contigo passear ao campo.

Iremos pelos atalhos
e sobre ti me deitarei na terra.
Encostado ao teu corpo
ouvirei as abelhas pairando sobre as flores como helicópteros
e ouvirei o estalar das antenas

e o surdo escorrer dos grãos de pólen
buscando o óvulo, deflagrando nele
a primavera eterna.

Quando a menina do cesto assomar à portinha do higroscópio
e os pássaros de gesso debicarem as pontas dos seus tamancos,
Oh! como vai ser bom!
mesmo que tu não venhas ou não existas,
hei de ir contigo passear ao campo.

                                                                          António Gedeão

                                                     in Antologia de Poemas de Amor - Organização de Inês Pedrosa

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