quinta-feira, 23 de abril de 2020

POEMAS DOUTRAS LÍNGUAS

OLGA CABRAL:

Gravação eletrónica encontrada numa garrafa

Caso este breve testamento humano
complete a sua odisseia
rompa as cortinas de meteoros incandescentes
cruze o furor de tempestades magnéticas
escape a turbilhões de hidrogénio
caia por eternas nebulosas escuras
se firme suavemente na Via Láctea
deslize ao longo da sua banda de luz
até às praias de um planeta desconhecido
num continente-estrela desconhecido
para ser achado e em ponderado 
assombro sopesado nas tuas mãos —
esta mensagem é para ti.

Previno-te de que vivi
numa pequena esfera nos subúrbios 
de uma estrela vulgar
que havia começado a declinar.
A nossa raça era um povo solar
mas morreu de doenças chamadas guerras.
A ti, nessas cidades imensas
com as tuas bibliotecas, fontes,
ou tu que ainda prosperas
em idades de gelo de ignorância —
quem ou ou o que quer que sejas
eis a mensagem final da terra:
amo-te amo-te amo-te.

Nada mais há a dizer
nada mais há de melhor aqui
e nada em todas as nebulosas espirais
foi tão delicado ou tão poderoso como isto.

       — Olga Cabral, in Tape Found in a Bottle (1971)

 

Electronic Tape Found in a Bottle 

If this small human testament
completes its odissey
clears the curtains of fiery meteors
crosses the rages of magnetic storms
rides free of hydrogen whirlwinds
falls throughcoalsack eternities
lands smoothly the Milky Way 
glides along its lightband
to the shores of an unknown planet
in an unknown star-continent
to be found and wonderingly
pondered held in your hands 
this message is meant for you.

Be advised that I lived on

a small green ball in the suburbs
of an unremarkable star
that had begun to run down.
Our race was a sun-people
but died of deseases called wars.
To you out there in star cities
with your libraries, fountains
or you who are still making it
through ice ages of ignorance 
whoever or whatever you are
here is earth's final message:
I love you I love you I love you.

There is nothing more to say

there is nothing better here
and nothin in all the spiraling nebulae
was as frail or as mighty as this.

                             — Olga Cabral, in Tape Found in a Bottle (1971)


Olga Cabral nasceu em 1909, em Trinidad. Os pais, de origem portuguesa, mudaram-se para Winnipeg, no Canadá, antes do seu primeiro aniversário, e, pouco depois, para Brooklyn, em New York. Em 1951, casou com o poeta,  crítico e editor Yiddish Aaron Kurtz. Por Tape Found in a Bottle (1971) ganhou o Prémio Emily Dickinson; o seu livro seguinte, Darkness Found in My Pockets (1976), foi contemplado com o Prémio Lucille Medwick (da Sociedade Americana de Poesia). Morreu em 1997. O seu curto obituário no New York Times reza assim: "Prestigiada poetisa e autora, enriqueceu as vidas de todos aqueles a quem tocou."  Eu encontrei-a num livro autobiográfico de Alice Sebold, Lucky, que narra a sua violação aos dezoito anos, por um desconhecido, e a sua trémula mas indómita vida até ao julgamento. Durante o assalto ao seu corpo, num dos seus momentos de aflição, ela refugiou-se na memória da poesia e em dois poemas em particular, um de Olga Cabral ("Lillian's Chair") e outro de Peter wild. 
[In https://kawisniewski.com/2018/03/15/spotlight-olga-cabral/]

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