Divina Commedia: excerto do Canto I
(parte de fala de Virgílio: versos 112 a 129)
«O que eu pra teu juízo governo:
que tu me sigas e serei teu guia,
e daqui até um lugar eterno;
ouvirás desesperados gritando,
verás relhos espíritos dolentes
que vão segunda morte expiando;
e verás ainda outros contentes
no fogo, porque ainda esperam vir
a juntar-se um dia às benditas gentes.
Às quais depois, se quiseres subir,
é com alma mais do que eu veneranda:
com ela te deixarei em meu partir;
que o imperador que lá no alto manda,
e porque fui rebelde à sua lei,
não me quer na cidade que comanda.
Em toda a parte impera e dela é rei;
lá é sua cidade e alto assento:
oh, felizes eleitos que eu lá sei!»
— Dante Alighieri
«Ond’ io per lo tuo me’ penso e discerno
che tu mi segui, e io sarò tua guida,
e trarrotti di qui per loco eterno;
ove udirai disesperate strida,
Vedrai li antichi spiriti dolenti,
ch’ a la seconda morte ciascun grida;
e vederai color che son contenti
nel foco, perché speran di venire
quando che sia a le beate genti.
A le quai poi se tu vorrai salire,
anima fia a ciò più di me degna:
con lei ti lascerò nel mio partire;
ché quello imperador che là sù regna,
perch’ i’ fu’ ribellante a la sua legge,
non vuol che ‘n sua città per me si vegna.
In tutti parti impere e quivvi regge;
quivvi à la sua città e l’alto seggio:
oh, felice colui cu’ ivi elegge!»
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A Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321) é o mais conhecido poema alegórico do mundo ocidental. Nele se fundem o real e o imaginário, história e mitologia, comédia e tragédia, relato e fábula, dando-nos uma visão poética do Além e, do mesmo passo, uma visão medieval do mundo. Narra, em tercinas encadeadas, uma jornada do poeta, da quinta-feira santa de Páscoa à quarta-feira seguinte, em abril, no ano 1300. Originalmente publicado em 1321, surge na edição princeps de 1472 apenas como Commedia e só na edição de 1555 (‘giolitina’, do nome do tipógrafo que a deu à estampa, Gabriele Giolito de’ Ferrari) figura o título tal como o conhecemos, La Divina Commedia. É composto de três partes (Inferno, Purgatório e Paraíso), cada uma com 33 cantos (exceto a primeira parte, Inferno, com mais um canto à guisa de proémio). Uma curiosidade: a última palavra do último verso de cada uma das três partes é a mesma, ‘stelle’ (estrelas).
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