terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

POEMAS DOUTRAS LÍNGUAS

 

Divina Commedia: excerto do Canto I

 (parte de fala de Virgílio: versos 112 a 129)

 

    «O que eu pra teu juízo governo: 

    que tu me sigas e serei teu guia,

    e daqui até um lugar eterno;

 

    ouvirás desesperados gritando,

    verás relhos espíritos dolentes

    que vão segunda morte expiando;

 

    e verás ainda outros contentes

    no fogo, porque ainda esperam vir

    a juntar-se um dia às benditas gentes.

 

    Às quais depois, se quiseres subir,

    é com alma mais do que eu veneranda:

    com ela te deixarei em meu partir;

 

    que o imperador que lá no alto manda,

    e porque fui rebelde à sua lei,

    não me quer na cidade que comanda.

 

    Em toda a parte impera e dela é rei;

    lá é sua cidade e alto assento:

    oh, felizes eleitos que eu lá sei!»

 

Dante Alighieri


 

    «Ond’ io per lo tuo me’ penso e discerno 

    che tu mi segui, e io sarò tua guida,

    e trarrotti di qui per loco eterno;

 

    ove udirai disesperate strida,

    Vedrai li antichi spiriti dolenti,

    ch’ a la seconda morte ciascun grida;

 

    e vederai color che son contenti

    nel foco, perché speran di venire

    quando che sia a le beate genti.

 

    A le quai poi se tu vorrai salire,

    anima fia a ciò più di me degna:

    con lei ti lascerò nel mio partire;

 

    ché quello imperador che là sù regna,

    perch’ i’ fu’ ribellante a la sua legge,

    non vuol che ‘n sua città per me si vegna.

 

    In tutti parti impere e quivvi regge;

    quivvi à la sua città e l’alto seggio:

    oh, felice colui cu’ ivi elegge!»


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    A Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321) é o mais conhecido poema alegórico do mundo ocidental. Nele se fundem o real e o imaginário, história e mitologia, comédia e tragédia, relato e fábula, dando-nos uma visão poética do Além e, do mesmo passo, uma visão medieval do mundo. Narra, em tercinas encadeadas, uma jornada do poeta, da quinta-feira santa de Páscoa à quarta-feira seguinte, em abril, no ano 1300. Originalmente publicado em 1321, surge na edição princeps de 1472 apenas como Commedia e só na edição de 1555 (‘giolitina’, do nome do tipógrafo que a deu à estampa, Gabriele Giolito de’ Ferrari) figura o título tal como o conhecemos, La Divina Commedia. É composto de três partes (Inferno, Purgatório e Paraíso), cada uma com 33 cantos (exceto a primeira parte, Inferno, com mais um canto à guisa de proémio). Uma curiosidade: a última palavra do último verso de cada uma das três partes é a mesma, ‘stelle’ (estrelas).


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